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7 de maio de 2011

O PEQUENO DICIONÁRIO CRÍTICO 16 – MENOS ESTADO - II

Vimos como a exigência de menos Estado é uma constante do processo histórico, uma exigência das oligarquias, coincidindo com crises e decadências económicas e sociais.
A História mostra-nos também que em resultado da crise económica e social, do caos estabelecido ou da sua ameaça, sob a acção de um grupo e do seu líder, colocando-se ao lado das aspirações populares é restabelecida a autoridade e a unidade. Há de novo o fortalecimento da organização do Estado e a expansão económica. O povo sente-se protegido, o nível de vida aumenta, as actividades produtivas desenvolvem-se, o prestígio dos Chefes de Estado é grande. O povo proclama: “grandes são os desígnios de Sesóstris” – faraó do Médio Império.
Contudo no período seguinte, após este impulso, as contradições da sociedade dividida em classes antagónicas mantêm-se. O poder muda de mãos, mas a sociedade no essencial continua a funcionar da mesma forma. Numa primeira fase, a aristocracia nascida do novo poder económico e militar é a primeira a desejar um poder central forte para se consolidar. Em termos contemporâneos (até ao final da década de 80 do século XX) diríamos que é o tempo do capitalismo monopolista de Estado.
Porém, a ambição do enriquecimento individual, o aumento do poder das camadas privilegiadas leva a esquecer as necessidades gerais. Há um acentuar das diferenças, há uma crescente insensibilidade e egoísmo das camadas privilegiadas e dos círculos que vivem na sua órbita, desprezando a situação cada vez mais difícil das populações trabalhadoras submetidas à exploração.
Sendo o rendimento nacional absorvido de forma crescente por estas camadas, o Estado deixa de poder fazer face às suas tarefas. As necessidades sociais não satisfeitas provocam a instabilidade social, a revolta do povo que se vê cada vez mais sujeito a arbitrariedades e sobrecarregado de impostos.
Os antagonismos sociais retiram ao governo capacidade de agir, tornando-se outra vez dependente de uma aristocracia esfomeada de poder e riquezas. A corrupção, as contradições internas, as intrigas dessa camada cada vez mais arrogante e impune consagram a desagregação social. Os governantes, incapazes colmatarem à degradação das situações económica e social, perdem o prestígio das suas funções, são desprezados.
Luís XV e Luís XVI tentaram em vão resolver o problema dos défices do Estado e da crise económica tributando a nobreza e o clero cujos gastos sumptuários levavam o Estado à bancarrota. Luís XVI, chama ministros que para a época se poderiam considerar progressistas, como Necker e Turgot – discípulo de Quesnay e autor de Reflexões sobre a Formação e Distribuição das Riquezas –  tiveram de ser demitidos por pressão da nobreza. As suas reformas foram abolidas. A cedência às camadas exploradoras precipitou a Revolução.
As aristocracias de hoje são as financeiras, o seu papel perante as estruturas governativas é idêntico. A sua prática baseia-se no axioma seguinte: "tudo o que nos é prejudicial prejudica toda a sociedade". Assim, fazem dos seus interesses privados os interesses gerais ou nacionais intocáveis e acima das críticas. Aos escribas ao seu serviço compete estabelecer a dogmática, que servirá para criar uma ilusão de independência teórica às intenções de ganância.
Assumindo cada vez maior poder social efectivo recusam os consensos e cedências feitas anteriormente às outras classes. O seu objectivo social é liga-las de pés e mãos ao seu sistema, torna-las incapazes de pensamento e acção autónoma de forma significativa e determinante. Actualmente, a consagração mediática das oligarquias, faz o seu caminho neste sentido.
A decadência tem origem precisamente em consequência do empobrecimento e enfraquecimento do Estado em benefício de interesses particulares. Em breve a nação inteira cai na desorganização, quando não no caos, com todos os seus desmandos e fica à mercê do domínio estrangeiro.
O “Menos Estado” nunca significou na História progresso, mas prelúdio da queda de civilização. O progresso corresponde ao reforço da consciência colectiva e só o Estado, pode congregar o colectivo, desde que objectivamente proceda nesse sentido. As oligarquias estabelecem o aumento das desigualdades, confiscam em seu proveito os frutos do esforço colectivo. O reforço do papel do Estado pode significar e significou em muitos momentos formas de melhoria da situação das classes mais oprimidas face aos poderes feudais ou oligárquicos. Assim foi com Péricles em Atenas, com César e Octávio em Roma, com Luís XI em França, com os Tudor em Inglaterra, com João II e José I em Portugal, como José II da Áustria, que o tentaram com êxitos muito relativos e desiguais, como se sabe.
Menos Estado - Mais Estado é uma questão que nada tem que ver com as liberdades e direitos democráticos: tem que ver em benefício de que classes e camadas sociais o poder é exercido. Ditaduras execráveis eram afinal a expressão dos interesses monopolistas e latifundiários. A decadência dos povos dá-se quando o Estado fica dominado por interesses privados. O progresso verifica-se quando o Estado é capaz de concretizar as aspirações colectivas e satisfazer as necessidades sociais.
Apenas uma palavra para o processo que levou ao fim da URSS e cuja complexidade não tem lugar aqui. Será bom no entanto reflectir no seguinte: também neste caso, uma camada assumiu a defesa de interesses oligárquicos, em detrimento da restante população. O “Menos Estado”, correspondeu ao empobrecimento, à decadência, à miséria, à perda de direitos sociais, ao domínio de oligarquias criminosas e máfias que exploram e aterrorizam os mais pobres e os mais fracos.
O “Menos Estado” é vendido pelas oligarquias e seus serventuários como sinónimo de democracia, quando na realidade democracia é justamente o seu contrário: o poder residindo no povo. Rousseau dizia no seu Contrato Social que entre o fraco e o forte a liberdade oprime e a lei liberta. Quando falamos em liberdade é dado perguntar-se: liberdade para quem? A arbitrariedade feudal era reclamada em nome “das liberdades feudais”. Também a arbitrariedade patronal reclamando a liberalização dos despedimentos é exigida em nome da “livre iniciativa”.

A seguir (a propósito das medidas impostas pela “troika” ao serviço da “usura”): 17 – Usura

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