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21 de maio de 2011

O PEQUENO DICIONÁRIO CRÍTICO - 19 – POPULISMO II

O populista é o mixordeiro da política. Disfarçado de justiceiro, o populista é um fariseu que aponta para o argueiro do vizinho e ignora a trave no seu – no dizer dos Evangelhos.
A mesma mistela das milagrosas soluções neoliberais é diariamente servida: o falso mercado perfeito do neoliberalismo, a austeridade sobre os que menos têm e sobre as camadas médias, cura milagrosa de todos os males sociais. Não funciona em lado algum, excepto para os multimilionários e sua clientela – no sentido romano antigo do termo. Como no entanto, não se põe em causa o sistema, a culpa é das próprias pessoas. Os cidadãos que comecem por eles próprios: olhem para o espelho e digam: a culpa é tua (já ouvimos isto ser proposto como solução…) e do teu vizinho também, certamente ainda mais. Não se toque é nos interesses da finança especuladora. Se é que reconhecem que exista algo como isso…
No populismo as excepções são feitas regras. Os abusos que eles próprios, amigos e correligionários do neoliberalismo promovem à socapa, também servem para atacar o social.
Consta que no tempo de Reagan se mencionaram personagens que recebiam indevidos e escandalosos apoios sociais, com o objectivo de liquidar essas mesmas prestações sociais. A fraude estava do lado dos populistas. Os protagonistas dos casos extremos apresentados nem sequer existiam.
Concentrando atenções nas pequenas regalias dos menos favorecidos, incutem-se sentimentos sociais negativos para escamotear – qual passe de magia – a livre circulação de capitais, as rendas e lucros monopolistas, os contratos e parcerias em que os interesses do Estado e dos contribuintes são defraudados, as abissais remunerações dos corpos executivos, a corrupção não combatida, as regras económicas totalmente inadequadas ao desenvolvimento económico e social.
O populismo reverte os problemas sociais para as pessoas, individualmente, ou para grupos sociais ou profissionais. Seja pelo racismo – os problemas que as pessoas enfrentam são causados por emigrantes e minorias étnicas - seja pelo ataque ao sector público em que as condições de trabalho dos funcionários públicos são a causa dos problemas a enfrentar.
Há trabalhadores com mais regalias que outros? Então há que retirá-las. Não ter precariedade laboral é um privilégio - em termos neoliberais - e os populistas são contra os privilégios, claro de quem trabalha. Nivele-se então por baixo. Estranha contradição dos elitistas!
Reduzam-se salários e prestações sociais, aumentem-se os impostos sobre o consumo, não se conceda 14º mês. E isto será o primeiro passo para o paraíso neoliberal. Tudo será então possível. Mas atenção: nada de mexer na fiscalidade ao grande capital, nem alterar as ilegalidades das parcerias público privadas. Aceita-se, é claro, alguma retórica e alguma cosmética sobre o tema. O ruído inconsequente faz parte da estratégia populista.
O populismo assume ares nacionalistas, proclamando a intransigente defesa dos interesses nacionais, ao mesmo tempo que aceita a submissão ao imperialismo, a desnacionalização económica, a entrega de sectores básicos e empresas economicamente estratégicas aos grupos transnacionais.
Vêem a política – ou querem que os outros vejam – em termos pessoais, não ideológicos e estruturais. Seguem assim a mais canónica das tradições conservadoras e reaccionárias. Querem publicamente parecer inconformados, rebeldes. Na realidade, defendem tenazmente o status quo económico como o melhor dos mundos, levando a discussão para o campo pessoal – como se tivessem intenções de mudar alguma coisa mantendo tudo o resto.
O populismo defende uma coisa, propondo e praticando condições que representam o seu contrário. O seu discurso vale-se de contradições nos termos (oximoros). Por exemplo: pretender o crescimento económico com as políticas do FMI e da UE; querer reduzir o desemprego sem políticas de protecção à produção nacional e com livre circulação de capitais; querer proteger as famílias e defender a flexibilidade laboral. E por aí adiante.
Prometem ao povo felicidade e abundância em troca de não participar, não se envolver colectivamente na defesa dos seus interesses e direitos. Por muito que digam, ou se aparentem modernos, o seu ideal é o “bom povo” atento, venerador e obrigado aos seus “chefes”, politicamente neutro, dominado por superstições, permanentemente entorpecido com ilusões, que acredite que “os sacrifícios são para todos”; que a culpa é dos outros trabalhadores - que não merecem o que ganham – por isso é que se ganha pouco; que nem sequer queira ouvir que Portugal é dos países da OCDE com maior nível de desigualdades sociais – pois isso não deu na TV. E que ainda por cima se culpe a si próprio ou aos vizinhos pela crise, pois consomem acima das possibilidades. Não há outra forma de defender o capital monopolista e a especulação financeira que se tornou a verdadeira soberana – absoluta - dos povos.
Perguntando-se a Mestre Aquilino Ribeiro o que era para si o cúmulo da miséria moral - do célebre questionário de Proust – disse então: “é ser um cão tinhoso da plebe, curvar-se perante o rei, beijar o anel do bispo, segurar a espada do nobre e mesmo assim ter medo do inferno”.
“Mutatis mutandis” ser tudo isto, ter medo dos "mercados" e acreditar que o FMI, o BCE e a UE nos ajudam, eis o paradigma neoliberal do “bom povo”, tal como almejado pelo populismo.

A seguir: 20 – Salário de subsistência

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