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11 de abril de 2016

Divida Pública não fazer como a Avestruz

Dívida Pública: Causas, consequências e soluções

A análise da evolução da nossa dívida pública e do nosso endividamento externo líquido ao longo das últimas duas décadas é indissociável da nossa adesão à União Económica e Monetária e ao Euro.
Desde que o euro entrou em circulação, a taxa de crescimento médio anual do PIB português foi nula, o nosso país produz hoje a mesma riqueza do que em 2002, o investimento caiu a pique, a dívida pública apesar das dezenas e dezenas de privatizações efectuadas aumentou continuamente, o nosso endividamento externo líquido quase duplicou, a taxa de desemprego em sentido lato mais do que triplicou, a destruição de emprego atingiu os 11,5%, meio milhão de portugueses viram-se forçados a emigrar e mais de ¼ dos portugueses são pobres.
Estes treze anos perdidos não são apenas consequência do euro, mas também das privatizações e consequente liquidação e dominação do aparelho produtivo pelo estrangeiro e da distorção da estrutura produtiva entre sectores de bens transacionáveis e não-transacionáveis.
É certo, também, que ao longo deste período se verificou o alargamento da União Europeia (EU) a países com estruturas produtivas concorrentes das nossas e sem que o Orçamento Comunitário fosse reforçado, diminuindo ainda mais o seu já limitado efeito compensador ou redistributivo.
Todos estes acontecimentos, uma política neoliberal e uma moeda muito valorizada, colocaram-nos em permanente perda de competitividade.
Nos primeiros tempos após a adesão ao euro foi também difundida a crendice de que a partir da integração no euro a questão do endividamento e do financiamento da economia deixavam de ser problema.
Sempre contestámos esta simplificação e desde sempre afirmámos que, com o agravamento da dívida, os credores externos se iriam assenhorear dos principais activos da nossa economia. Foi aquilo a que assistimos nos últimos anos com quase todos os grandes grupos económicos do sector financeiro, energético, cimenteiro, de telecomunicações, de transportes e infraestruturas rodoviárias e aeroportuárias, a passarem para as mãos de capitais estrangeiros. A agora tão falada e temida espanholização do nosso sector financeiro encontra a suas raízes nas políticas prosseguidas desde a adesão à UEM e ao euro.
Com a crise do subprime que rebentou no sistema bancário dos Estados Unidos em Agosto de 2007 e rapidamente atravessou o Atlântico, o sistema bancário europeu seria fortemente afectado e os Estados, sempre argumentando com o chamado risco sistémico, viriam a assumir grande parte destas dívidas, transformando-as de privadas em dívidas públicas.
Os desastres do BPN, BES e agora do BANIF e um conjunto de outras intervenções públicas de apoios públicos ao sector financeiro representaram um esforço financeiro bruto de ajudas do Estado Português à Banca, entre 2008 e 2015, de pelo menos 11,2% do PIB (mais de 20 mil milhões de euros). 

O nosso país viu neste período disparar os seus défices públicos, a sua dívida pública e a sua dívida externa e entrou num período de forte recessão, com o PIB a cair em quatro dos últimos 7 anos e a situar-se hoje cerca de 5,5% abaixo do valor atingido em 2008.
Sem moeda própria, sem possibilidade de emitir moeda para financiar os seus défices cada vez maiores, como resultado da estagnação económica e das intervenções em salvação da banca, Portugal passou a estar tal como no século XIX, dependente exclusivamente dos mercados para se financiar.
Apesar da nossa iniciativa de 5 de Abril de 2011, em que pela 1ª vez foi apresentada uma proposta de imediata renegociação da dívida, nos seus prazos, juros e montantes, o Governo de então no dia 6 de abril capitularia e com o apoio de todos os grandes banqueiros e dos partidos da direita (PSD/CDS), solicitaria o apoio da Troica para o seu financiamento nos três anos seguintes.

As contrapartidas exigidas pela Troica são de todos conhecidas, ataques aos direitos laborais, ataques à autonomia do poder local, redução das despesas de saúde, educação e prestações sociais, redução do prazo e montante do subsídio de desemprego, congelamentos e cortes salariais na Administração Pública, cortes nas reformas e pensões e aumento da idade de reforma, enormes cortes no investimento público, enorme aumento de impostos sobre os trabalhadores e suas famílias, privatização das poucas grandes empresas públicas que ainda restavam (EDP, REN, FIDELIDADE, CIMPOR, ANA, TAP, CTT).   
Cinco anos volvidos, não só a situação do país é pior, mas também a dívida pública – em nome da qual se chamou a troica - é substancialmente maior, tendo crescido mais de 55 mil milhões de euros, representando no final de 2015, 128,8% do PIB e o endividamento externo líquido continuou a agravar-se atingindo os 109,4% do PIB.
O país teria sido poupado a muitos sacrifícios e sofrimento, se a proposta do PCP de renegociação da dívida tivesse sido adoptada.
Mas o país pode perder ainda mais, se se mantiver amarrado a uma dívida e um serviço da dívida, que impede o seu desenvolvimento e crescimento económicos, a criação de emprego e investimento público, que limita a afirmação de um Portugal livre e soberano.
Muito tem sido dito e escrito sobre as razões deste tão grande endividamento do país. A tese que mais amplamente tem sido difundida por parte do grande capital e das grandes potenciais, procura responsabilizar o povo português, os seus direitos e condições de vida, os serviços e empresas públicas, os salários, as reformas e pensões da população e a própria Constituição da República por esta dramática realidade. A ideia ofensiva para o povo português de que andou a “viver acima das suas possibilidades” gastando mais do que aquilo que podia. A ideia de um país com fracos recursos que não tem meios para garantir direitos como o da saúde, da educação ou da habitação. A ideia de uma nação que em vez de trabalhar, prefere andar de mão estendida perante a Alemanha e outras potências, entregando-se à preguiça típica dos povos do sul da Europa. A ideia de que quem defende a renegociação da dívida, não honra os seus compromissos e quer a política do calote (como aliás dizia um anterior Primeiro Ministro).
Todo este arsenal ideológico visou, branquear a política de direita, responsabilizar o povo pelo excessivo endividamento, justificar toda uma política dita de austeridade, mas que não foi mais do que uma política de empobrecimento do povo e dos trabalhadores e de concentração de riqueza em alguns grandes capitalistas e, barrar o caminho à legítima, necessária e inevitável renegociação da dívida.
É importante voltar esclarecer, que as causas e razões do endividamento público, são inseparáveis e têm a sua raiz primeira na política de destruição do aparelho produtivo levando a que quanto menos se produza mais se deva ao exterior.
Uma dívida que cresceu também por conta dos gigantescos apoios públicos dados à banca em situações tão diversas como as do BPN, do BES ou agora do BANIF, transformando dívida privada de então, naquilo que é agora dívida pública.
Com estas dívidas, pública e externa de grande dimensão, ganham os setores exportadores dos principais países europeus, ganham os banqueiros, ganham os especuladores, ganham os grandes grupos económicos e financeiros, ganha o grande capital nacional e transnacional; perdem no entanto os trabalhadores, os reformados e o povo português, perdem a economia nacional e o País.
No decurso deste ano, só para o pagamento de juros da dívida serão mobilizados cerca de 8,5 mil milhões de euros. Um valor que é superior àquele que está orçamentado para o Ministério da Educação ou para o Serviço Nacional de Saúde, um valor que é mais do dobro do investimento público previsto para o ano.
Sem renegociação da nossa dívida pública as perspectivas para os próximos anos não são melhores. Até ao ano de 2020 os encargos com a dívida ascenderão a 60 mil milhões de euros, quase três vezes mais do que os fundos disponibilizados pelo actual quadro comunitário de apoio, confirmando assim, que Portugal é hoje um contribuinte líquido das grandes potências no plano da União Europeia.
Vale pena lembrar aqui que apesar de após a intervenção do BCE iniciada no verão de 2012, a taxa de juro implícita dos empréstimos da dívida pública ter baixado ligeiramente, a verdade é que Portugal é entre os países da União Europeia aquele cujo peso dos juros da dívida pública em percentagem do PIB é mais elevado. Os últimos dados divulgados pela Comissão Europeia dizem-nos que o nosso país gastou em 2015 em pagamentos com juros da nossa dívida pública 4,7% do PIB, bem mais do que a Grécia (4,1%) e a Itália (4,2%) e o dobro da média comunitária.    
Sem renegociação da dívida aquilo que espera ao povo português é a austeridade perpétua. É o definhamento e o declínio nacional.
Qualquer política que se apresente como alternativa ao rumo de desastre nacional que está a ser imposto ao povo português não pode passar ao lado deste constrangimento, que tem aliás outras duas faces e que são a necessidade de preparar o país para a libertação da submissão ao Euro, bem como a recuperação do controlo público sobre a banca.
Trata-se de um objectivo exigente e difícil, mas não impossível. O PCP não só não está sozinho nesta luta, como se alargou neste período, a consciência por parte de muitos sectores, organizações e personalidades democráticas quanto à insustentabilidade da situação actual e a urgência da renegociação da dívida.
Um percurso que assume de forma clara, o direito soberano do povo português ao desenvolvimento, um direito que é inseparável da ruptura com a política de direita e os instrumentos e mecanismos impostos pela União Europeia. Um percurso que procura também promover, no plano internacional, a articulação e convergência com outros povos que também estão confrontados com medidas de agressão às suas condições de vida e que levou o PCP a apresentar recentemente a proposta da realização de uma conferência inter-governamental sobre esta matéria.
A necessária renegociação da dívida pública deve ser assumida como uma iniciativa do Estado português com o objectivo de assegurar o direito a um desenvolvimento soberano e sustentável e garantir um serviço da dívida que se coadune com o crescimento económico e a promoção do investimento e do emprego.
Uma renegociação que é um eixo central da política patriótica e de esquerda que propomos ao país e que deve garantir para a dívida directa do Estado, em particular a correspondente ao empréstimo da troica, uma redução dos montantes não inferior a 50%, que, em conjunto com a diminuição das taxas de juro e o alargamento dos prazos de pagamento, assegure uma redução de, pelo menos, 75% dos seus encargos anuais. Recusar a renegociação da dívida ou fazê-la mais tarde, em benefício dos credores, significa amarrar o País a uma dívida impagável.
Este não é nem será um caminho fácil, isento de pressões, ameaças e chantagens. Mas é seguramente um caminho que, pela força do povo, será concretizado mais cedo do que tarde.
06 de Abril de 2016

José Alberto Lourenço (CAE/PCP)

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