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13 de setembro de 2017

Macron na Grécia

Jacques Sapir
O sr. Emmanuel Macron, presidente da Republica, mais uma vez derrapa em público e insulta os franceses. Pelo menos, insulta os que não pensam como ele. Dessa vez, nos jardins da Escola Francesa em Atenas, na 6ª-feria, ele repetiu a necessidade de reforma, mas com palavras de violência jamais vista: « Serei de determinação absoluta, nada cederei, nem aos vagabundos, nem aos cínicos, nem aos extremistas « [1]. Que o presidente diga que não cederá, é direito dele. É um modo de governar, e sabe-se muito bem de que valem as promessas dele de « diálogo social ». Mesmo assim, é direito dele. Cabe à oposição extrair daí todas as consequências.
Mas que o presidente, para governar, tenha de apresentar os que não concordem com ele como « vagabundos(…) cínicos, (…) extremistas, parece-me evento sem precedentes. A violência verbal de que se vale o presidente em primeiro lugar comprova, em segundo antecipadamente justifica, outras violências. A tal ponto que nos perguntamos se ele realmente tem consciência do que disse.
Quando Emmanuel Macron persevera…
Infelizmente não é a primeira vez que Emmanuel Macron comete esse tipo de derrapagem. Já fez coisa semelhante quando falou nos jardins da Embaixada da França em Bucareste[2], somando ao insulto o fato de insultar o próprio país em terra estrangeira. Mas é o mesmo Emmanuel Macron que declarou que não comentaria a política francesa enquanto estivesse fora do território francês. Já dissemos que é absoluta falsidade dizer, seja em Atenas ou em Bucareste, que os franceses opõem-se a reformas. Que sejam globais, ou limitadas à esfera do trabalho, os franceses foram submetidos à força e aceitaram, ao longo desses últimos 20 anos, a número incalculável de reformas. Os franceses opõem-se, isso sim, a uma reforma específica, a saber, a do Direito do Trabalho. E essa reforma, afinal é precisamente muito discutível, como já demonstramos aqui nessa coluna [3]. Pode-se mesmo assim considerá-la necessária; mas nesse caso, é preciso respeitar os que pensem diferente e não concordem com o presidente.
E ainda mais quando o presidente foi eleito num processo farsa, com número mínimo de votos. Emmanuel Macron é presidente por absoluta falta de qualquer coisa melhor. Há incontáveis provas, todo mundo sabe disso, exceto, parece, o próprio presidente …
Pois eis que Emmanuel Macron tem uma recaída. E acontece na sequência do discurso que ele apresentou como programático sobre a Europa, mas que não passou de repetição tola de tolices. Mas tolices que, dessa vez, são insultos diretos aos eleitores e dos mais violentos. Se se vê o naufrágio em que Macron afunda, como mostram as pesquisas, nos últimos dois meses [4], mais que tolice o discurso de Macron é loucura. Mas, sim, « Apesar de ser loucura, há método naquela loucura »[5].
Júpiter (um dos codinomes de Macron) em seu território: « Como o Parthenon, quero refundar a Europa »-Charge de Placide
Quando o insulto torna-se método
Os insultos, porque não há outro termos para designar a fala do presidente sobre seus opositores, não são novidade. Em Emmanuel Macron, tendem a constituir um método. Macron já se serviu de insultos no discurso em Bucareste. Também no início do ano letivo, na viagem a Forbach. Emmanuel Macron e também se ouviram insultos em resposta a um jornalista que o entrevistava. Disse ele: « Jornalistas têm um problema. Interessam-se mais por eles mesmos, e pouco pelo país. (…) Vocês só me falam de problemas de comunicação e de problemas de jornalistas, não me falam da França[6] » Mas o presidente da República lá estava, fazendo-se filmar quando comia na cantina, com estudantes. Lá estava, fazendo propaganda dele mesmo, e ninguém o criticou por isso. Quer dizer, Macron lá estava e convocara os jornalistas para que o filmassem, especificamente para mostrar a própria cara, quer dizer, para se « comunicar ». OK, nada mais normal. Mas normal, também, que um jornalista lhe fizesse uma pergunta sobre comunicação. A única coisa flagrantemente anormal foi a resposta do presidente.
Clément Viktorovitch, no website de Point[7], chama a atenção de que, mais que refutar a posição dos que o contradizem, Emmanuel Macron aplica-se a desqualificar a legitimidade dos que ele mesmo apresenta como seus adversários. E disso, precisamente, Macron deu novo exemplo, e exemplo de ódio, deve-se dizer, no evento de 8de setembro em Atenas.
http://tlaxcala-int.org/upload/gal_16819.jpg
« Oh, Atenienses, proibido circular! M. Macron subirá a colina Pnyx para falar de democracia! »[referência à proibição de manifestações de rua enquanto Macron estivesse em Atenas… E aos que mesmo assim se manifestaram foram espancados] – Charge de Tassos Anastasiou
Reflexo de menino mimado ou reflexo de classe?
No mínimo, por hábito, e sem dúvida por método. Mas de que método se trata aqui? Podem-se ler esses desmandos que o presidente comete por discurso como testemunho de o quanto Macron está exasperado ante uma realidade que não cede aos seus desejos, que escapa ao seu controle. Em resumo, as terríveis palavras do presidente não passariam de manifestação de um homem que « bate pezinho ». A juventude do Presidente conta nesse quadro, além da vida superprotegida que viveu até a eleição. Ser « primeiro da classe », amado e protegido dos poderosos, ter trabalhado para outro presidente – François Hollande –, depois ministro, para na sequência trair o padrinho, mas sem ter sido punido pela traição, e ver-se livre outra vez e chegar afinal às portas do poder, nada disso ajuda a preparar alguém para sobreviver na adversidade. Chris Bickerton, em editorial de 7 de setembro no New York Times, traça um retrato ácido de Emmanuel Macron[8].
Constatando a queda nas pesquisas, Bickerton pergunta-se se o presidente não será nada além de menino mimado e arrogante. Há, sim, a condescendência muito norte-americana nesse editorial, mas há também muito de verdade.
Mesmo assim, seria temerário atribuir esse « método » e esse comportamento ao próprio Emmanuel Macron, método e comportamento que bem rapidamente levarão os franceses a odiá-lo, a simples arrogância e a traços pessoais, ainda que existam. Há por trás o sentimento de superioridade combinada à certeza de ter razão, de encarnar o « campo do bem », que se vê tão disseminado nessa dita « elite » neoliberal. Parte porque aquela « elite » crê-se detentora de saberes superiores, parte porque está convencida de que esse saber determina uma indulgência da qual só aquela « elite » seria beneficiada e que, assim sendo, seria ‘normal’ que aquela « elite » despreze os adversários políticos.
Mas, seja como for, esse método é inaceitável para um presidente. Esse método tende, mais, a destruir completamente a legitimidade do presidente. E, nesse caso, a legalidade da eleição pouco peso terá contra a legítima cólera dos franceses.

« Esse metalúrgico não encontra emprego? Ele que faça sua start-up! »
Marie-Antoinette provavelmente nunca disse « se não têm pão, que comam brioches ». Mas a frase colou-se à pele dela e a condenou aos olhos da opinião pública antes mesmo de ter sido julgada. Emmanuel Macron, por sua vez, pronunciou sem dúvida as palavras que se colarão a ele para sempre, sem perdão. Que ele não se surpreenda portanto, se crescerem à volta dele o ódio e a ira. Que não se surpreenda se, por infelicidade, sua cabeça acabar espetada numa vara
Notas


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